A Embrapa Clima Temperado (RS), em parceria com a empresa Partamon, conseguiu o registro de uma vespa nativa capaz de parasitar as principais espécies de mosca-das-frutas de importância econômica que afetam a fruticultura no Brasil. O parasitoide, denominado Doryctobracon areolatus, recebeu Especificação de Referência (ER 54) – veja mais detalhes em quadro ao final desta matéria – como produto fitossanitário junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Resultado de mais de 12 anos de pesquisa, essa conquista abre portas para que empresas interessadas busquem o registro para uso do parasitoide em sistemas de produção orgânicos e convencionais, em todo o País. A tecnologia ajuda a consolidar cada vez mais o controle biológico no contexto nacional.
As recomendações, por enquanto, envolvem indicações e informações de uso, como níveis esperados de controle (parasitismo), quantidade a ser liberada por área e forma de disponibilização para a venda. Segundo o pesquisador Dori Nava, um dos responsáveis pelo trabalho, cerca de 90% da tecnologia está pronta, mas os estudos seguem em andamento para qualificação das orientações.
As formas de liberação e a adequação aos sistemas de produção, por exemplo, ainda necessitam ser validadas em escala comercial. “O que nós precisamos agora é ajustar alguns desses pontos para maximizar a liberação do parasitoide”, explica. Por ora, essas definições estão sendo baseadas em pesquisas realizadas com um parasitoide similar comercializado no México.
Outro ponto em que as pesquisas ainda seguem é na associação do uso do controle biológico a outros métodos de controle, levando em conta, por exemplo, a seletividade de produtos químicos ao parasitoide, de maneira a eliminar as moscas mas não as vespas. “A ideia do uso do parasitoide é incorporá-lo dentro de um programa de Manejo Integrado de Pragas (MIP)”, completa.
Vespa é capaz de parasitar 40% das larvas de moscas-das frutasClassificada como inseticida biológico, a vespa apresentou uma taxa de parasitismo de 40% das larvas das moscas-das-frutas nas áreas analisadas. Os estudos realizados em pomar experimental recomendam a liberação de 10 mil parasitoides por hectare. Em áreas maiores, o comportamento tende a mudar e a expectativa é que esse número ainda diminua pela metade nos pomares comerciais.
Por ser nativo de uma ampla área, o parasitoide tende a estar adaptado e, portanto, pode ser liberado em praticamente qualquer região do País. O pesquisador explica que a comercialização pode ocorrer para controle da mosca-das-frutas em vários estados, incluindo diversas espécies de frutíferas: mangueiras, no Nordeste; laranjais, em São Paulo; e macieiras e pessegueiros, no Rio Grande do Sul, por exemplo.
Disponibilização ao setor produtivo
A Partamon, startup de base tecnológica incubada junto à incubadora Conectar, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), participou do desenvolvimento da tecnologia e estabeleceu um sistema de produção eficiente e sustentável. Atualmente, busca parcerias para multiplicação em grande escala das vespas, para que o novo produto possa atender ao setor produtivo de frutas no Brasil.
Para a pesquisa, essa parceria público-privada é importante para, além da etapa de desenvolvimento, ajudar na viabilização da produção comercial dos parasitoides. “Nos dias atuais, a função da Embrapa não é só fazer pesquisa. É desenvolver a tecnologia e fomentar que alguém produza para que ela possa ser disponibilizada no mercado”, acrescenta Nava.
O contrato de cooperação-técnica entre a Embrapa e a Partamon teve início em 2018, tendo sido renovado em 2023 por mais dois anos, até 2025. Os sócios Sandro Daniel Nornberg e Rafael da Silva Gonçalves já haviam realizado pesquisas básicas sobre o parasitoide como bolsistas da Embrapa, durante pós-graduação em Fitossanidade, na área de entomologia, pela UFPel.
O objetivo da parceria na condição de empresa foi unir esforços para obtenção de informações específicas que faltavam para que o parasitoide pudesse ser registrado junto ao Mapa e, assim, tornar-se um produto comercial. A Partamon ficou responsável pelos testes de campo para detalhar o processo e subsidiar as recomendações técnicas publicadas na ER. “É como se fosse uma bula técnica”, explica Nornberg.
Essa parceria ainda viabilizou que a Embrapa e a Partamon captassem recursos para a realização das pesquisas, por meio da proposição e aprovação de dois projetos – um de cerca de 300 mil reais e outro de 200 mil reais para contratação de bolsistas. Os recursos, tanto financeiros quanto humanos, foram parcialmente revertidos ao laboratório da Embrapa para a realização do trabalho. “Criar insetos demanda bastante mão de obra qualificada”, acrescenta.
Sobre o parasitoide
A vespa da espécie Doryctobracon areolatus, nativa do continente americano, é um parasitoide de espécies de moscas-das-frutas (Diptera: Tephritidae) de impacto à fruticultura brasileira, como a mosca-das-frutas sul-americana (Anastrepha fraterculus) e a mosca-do-mediterrâneo (Ceratitis capitata). O parasitismo se dá pela postura de ovos dentro das larvas das moscas-das-frutas. Ao eclodir, a larva do parasitoide se alimenta do hospedeiro, eliminando o inseto antes da formação do adulto, que não chega à fase de reprodução.
Primeira tecnologia com organismo nativo, 100% nacional
O controle da mosca-das-frutas ocorre quando as populações da praga entram no nível de equilíbrio, ou seja, quando a quantidade de parasitoides ultrapassa a população da praga. Mas, na natureza, o controle biológico natural leva tempo, porque o desenvolvimento das vespas é mais lento, uma vez que depende da praga para se multiplicar. Além disso, só ocorre quando o sistema está em equilíbrio, o que é mais difícil num sistema agrícola em que o foco tende a ser a monocultura.
No controle biológico aplicado, os parasitoides são criados em condições controladas e liberados aos poucos (forma inundativa), de maneira que sua população cresça exponencialmente e supere a das moscas primeiro. No caso do Doryctobracon areolatus, a indicação é que as liberações sejam feitas semanalmente, até a redução da população da praga, que é verificada por meio do monitoramento de insetos adultos.
“Se esperar isso ocorrer naturalmente, haverá perdas. O que nós fazemos com relação ao controle biológico é disponibilizar uma maior quantidade de vespas, para que consigam quebrar a curva de crescimento da praga antes que ocorra o dano econômico”, explica Nava.
Por ser uma espécie nativa, a expectativa é que o Biolatus – nome comercial que a startup está dando ao produto – atue, principalmente, na supressão populacional das moscas-das-frutas em áreas adjacentes aos pomares (manejo externo), como matas nativas ou pomares domésticos. Isso contribui para a redução da necessidade de aplicações de agroquímicos.
O custo por hectare ainda está sendo determinado, mas deve equivaler ao que está sendo praticado no mercado para outras espécies de parasitoides. “No Brasil, é a primeira tecnologia com organismo nativo, 100% nacional, que estará disponível em todo o País para um dos maiores problemas da fruticultura”, acrescenta o sócio da Partamon.
Fonte: Embrapa
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