
Comer mais não basta — é preciso comer melhor
Nesta semana, tive a honra de participar do evento “Da política ao prato”, realizado na Câmara dos Deputados. A iniciativa reuniu representantes de diversos setores em um diálogo essencial sobre estratégias para enfrentar a fome, promover a segurança alimentar e combater o desperdício de alimentos. Discutir políticas públicas voltadas à nutrição é um passo fundamental para garantir o direito à alimentação adequada, fortalecer a agricultura familiar e incentivar práticas sustentáveis de produção.
A recente notícia de que o Brasil saiu do “Mapa da Fome”, divulgada pela FAO, é motivo de celebração. A redução de cerca de 30% na subalimentação reflete o impacto positivo de políticas públicas consistentes, ações governamentais e o engajamento da sociedade civil. No entanto, essa conquista não representa o fim da fome. Cerca de 60 milhões de brasileiros ainda não têm acesso regular a uma dieta equilibrada — especialmente no que diz respeito ao consumo diário de frutas e hortaliças.

O desafio atual vai além de garantir que todos tenham o que comer: é preciso assegurar que todos tenham acesso a alimentos saudáveis. Embora muitos brasileiros atinjam suas necessidades calóricas, o consumo excessivo de ultraprocessados — mais baratos e amplamente disponíveis — combinado ao baixo consumo de frutas e hortaliças, cria um paradoxo nutricional. Temos pratos cheios, mas pobres em nutrientes essenciais, o que contribui para o avanço da obesidade e de doenças crônicas.
Estudos científicos já comprovaram que o consumo diário de frutas e hortaliças é vital para a saúde, por fornecer vitaminas, minerais, fibras e antioxidantes. Ainda assim, o Brasil está longe de atingir as recomendações do Ministério da Saúde (MS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) nesse quesito.
Nesse contexto, políticas públicas têm papel decisivo na promoção de escolhas alimentares mais saudáveis e na prevenção de doenças como obesidade, hipertensão e diabetes. Documentos como a Proposta de Diretrizes para o Desenvolvimento de um Programa Intersetorial para a Promoção da Alimentação Adequada e Saudável no Brasil, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e o Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo MS, oferecem caminhos concretos para fomentar hábitos alimentares mais equilibrados.
Programas estruturantes como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também são fundamentais, especialmente ao ampliar o acesso a hortaliças em regiões onde esse consumo ainda é limitado.

É inadmissível que, em um país reconhecido mundialmente por sua capacidade agrícola, milhões de pessoas ainda enfrentem a fome, tenham dietas inadequadas e convivam com o desperdício de toneladas de alimentos. Nesse cenário, merece destaque o trabalho do Mesa Brasil, do Sesc — a maior rede de bancos de alimentos da América Latina — que distribui produtos fora do padrão comercial, mas perfeitamente próprios para o consumo, a pessoas em situação de vulnerabilidade.
Diante disso, podemos comemorar a saída do Brasil do “Mapa da Fome”? Sim, mas com cautela. Como bem disse José Graziano, diretor do Instituto Fome Zero:
“Não basta encher o prato, é preciso mudar o que vai dentro dele.”
Warley Nascimento – Pesquisador da Embrapa Hortaliças e presidente da Associação Brasileira de Horticultura (ABH) 
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