Os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) emitem menos óxido nitroso (N2O), um importante gás de efeito estufa (GEE), quando comparados a lavouras em sistema de plantio convencional. Foi o que constatou um estudo conduzido na Embrapa Cerrados (DF) que também detalha como isso ocorre. A pesquisa destaca que o uso de gramíneas forrageiras, que aportam matéria orgânica e aprofundam raízes no perfil do solo, influencia esse processo, assim como a presença de maiores volumes de agregados do solo com maiores diâmetros.
Entre as explicações para esse resultado, os cientistas observaram que as braquiárias, forrageiras plantadas para alimentar o gado, depositam matéria orgânica mais difícil de ser degradada e, além disso, a ILP proporciona solos com agregados maiores. Com mais carbono e nitrogênio acumulados nessas partículas, a matéria orgânica presente é protegida da decomposição feita pela microbiota, os microrganismos que habitam o solo.
“A tecnologia permite, em uma mesma área, produzir mais e em menor tempo (no caso dos animais) e esses fatores reduzem a intensidade de emissões, ou seja, emitimos menos gases de efeito estufa por quilo de alimento produzido”, detalha o pesquisador da Embrapa Solos (RJ) Renato Rodrigues, que preside o conselho da Associação Rede ILPF. “A integração ainda promove redução proporcional do uso de nitrogênio em comparação aos sistemas solteiros e gera menos revolvimento da terra, o que reduz as emissões de óxido nitroso”, completa o especialista.
Estudo publicado
Os resultados são apresentados no artigo “Understanding the relations between soil organic matter fractions and N2O emissions in a long-term integrated crop-livestock system”, publicado no European Journal of Soil Science. O trabalho é de autoria de Juliana Sato, doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB), Cícero de Figueiredo (UnB), Robélio Marchão, Alexsandra de Oliveira, Lourival Vilela, Francisco Delvico e Arminda de Carvalho (Embrapa Cerrados), e Bruno Alves (Embrapa Agrobiologia).
Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que as emissões de N2O nos sistemas agrícolas são influenciadas por condições edafoclimáticas (solo, clima, vegetação, entre outras), e que a disponibilidade de matéria orgânica do solo (MOS) é um fator chave no processo. O estudo avança na compreensão de como se dá o acúmulo de frações de MOS estáveis e lábeis (menos estáveis) nos solos sob ILP e as possíveis relações com as emissões de N2O. As avaliações foram realizadas em 2015, na área do experimento de longa duração em ILP, iniciado em 1991 na Embrapa Cerrados – o mais antigo do Brasil – sob solo argiloso.
Como foi a pesquisa
O experimento compreende uma área total de 14 hectares (ha). Com dimensões de cerca de um hectare, as parcelas compararam sistemas de lavoura contínua (cultivada em plantio direto e convencional) com sistema integrado de rotação lavoura-pecuária, tendo o capim Brachiaria brizantha BRS Piatã como planta de cobertura. Em todos os três sistemas agrícolas, a espécie forrageira foi introduzida em consórcio com sorgo safrinha cultivado após a soja, visando à comparação das áreas, que receberam o mesmo manejo. Os tratos culturais variaram apenas quanto ao preparo do solo na lavoura contínua sob preparo convencional e à presença dos animais em pastejo no sistema ILP.
“Realizamos esse estudo em um experimento que simula as condições de fazenda, com mecanização em todas as etapas, o que permitiu maior robustez dos dados”, explica o pesquisador da Embrapa Robélio Marchão, atualmente responsável pela área experimental.
Brasil e o compromisso
com o clima
O pesquisador da Embrapa Renato Rodrigues lembra que o Brasil assumiu compromissos voluntários de mitigação de emissões junto à Organização das Nações Unidas (ONU), durante a Conferência de Mudança do Clima de 2009. “Esses compromissos foram traduzidos em uma grande estratégia de adoção de tecnologias sustentáveis (ou de baixa emissão de carbono). A partir dessa política, teve origem o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC), que entre outras tecnologias, previa a implantação de quatro milhões de hectares de ILP/ILPF no Brasil entre 2010 e 2020”, diz.
Em 2015, o Brasil assumiu novos compromissos no Acordo de Paris, com a intenção de implantar mais 20 milhões de hectares de ILPF e recuperação de pastagens degradadas entre 2021 e 2030.
Os cientistas quantificaram as emissões cumulativas de N2O por 146 dias ao longo do ciclo da cultura do sorgo. Uma área remanescente de Cerrado também foi avaliada como referência. As emissões acumuladas foram maiores no início do ciclo da cultura, em função da fertilização nitrogenada associada à ocorrência de chuvas, com precipitações diárias superiores a 40 mm. “Além disso, a ocorrência de veranicos (períodos sem chuva) na estação chuvosa no Cerrado promove condições de secagem e reumedecimento do solo, o que funciona como uma fonte importante para emissão de N2O em diferentes momentos da estação de crescimento dos cultivos”, explica a pesquisadora Alexsandra de Oliveira.
As maiores emissões acumuladas ao fim dos 146 dias foram observadas na área com lavoura em plantio convencional, com 1,8 kg/ha de N2O, enquanto as emissões da lavoura contínua sob plantio direto representaram metade dessa emissão (0,9 kg/ha). Entre as áreas cultivadas, o sistema ILP foi o que apresentou as menores emissões acumuladas de N2O, com 0,79 kg/ha. Na área de Cerrado, considerada a referência positiva do estudo e onde as emissões diárias estão sempre próximas de zero, a emissão acumulada do período representou apenas 11% da emissão da lavoura em plantio convencional, considerada a referência negativa.
“A decomposição de resíduos da lavoura durante a sucessão de culturas na primeira e na segunda safras (soja e sorgo) e a presença de uma gramínea forrageira com e sem pastejo nos dois sistemas em plantio direto explicam as diferenças nos fluxos de N2O nos diferentes sistemas de manejo analisados”, relata a pesquisadora Arminda de Carvalho.
“As gramíneas forrageiras tropicais, sobretudo as braquiárias, quando encontram solos de fertilidade construída, como é o caso desse estudo, conseguem expressar todo o potencial de desenvolvimento do seu sistema radicular, que tem um importante efeito físico no solo, protegendo a MOS”, completa Marchão.