quinta-feira, 09 de maio de 2024

Biotecnologia no agro: Qual o interesse em dificultar?
Alexandre Nepomuceno Colunista Conexão Agro
Alexandre Nepomuceno
12/09/2023

Biotecnologia no agro: Qual o interesse em dificultar?

A Biotecnologia tem sido uma ferramenta de suma importância para a humanidade. Vários medicamentos, como a insulina, e o hormônio humano de crescimento, além de vacinas têm sido desenvolvidos nas ultimas 6 décadas com o uso da biologia molecular e da engenharia genética.

A incrível evolução tecnológica que estamos acompanhando nos últimos 10 anos tem aumentado cada vez mais a capacidade desta área do conhecimento de trazer soluções e agregar valor à sociedade. A rapidez como conseguimos começar a combater a covid-19 com vacinas deixa bem claro estes avanços. Vacinas que demoravam anos para serem desenvolvidas, foram criadas em meses.

A biotecnologia na indústria não é diferente. Milhares de enzimas transgênicas e compostos produzidos por estas, são responsáveis, desde a década de 70, pela produção de detergentes, corantes, biocombustíveis e outros inúmeros produtos do nosso dia a dia.

Na agricultura, o uso da biotecnologia teve seu grande marco inicial com a entrada no mercado, da soja transgênica resistente ao herbicida glifosato, no final dos anos 90.  Infelizmente o uso da biotecnologia na agricultura não teve o amplo uso como vimos na medicina e na indústria.

Apesar de hoje a transgenia estar em mais de 90% das lavouras de soja, milho e algodão, a polêmica sobre a sua utilização no agronegócio limitou o uso somente a grandes cultivos comerciais e a produtos de 4 a 5 empresas multinacionais.

Apesar do oligopólio criado em cima do uso dos transgênicos na agricultura, no Brasil o plantio direto em larga escala, que hoje cobre mais de 60% da área agrícola de grãos, só foi possível principalmente pelas plantas transgênicas resistentes à herbicidas.

Já as plantas transgênicas resistentes à insetos permitiram reduções consideráveis na aplicação de inseticidas, beneficiando o meio ambiente, a saúde dos trabalhadores agrícolas e a redução de custos.

Após mais de 28 anos utilizando a transgênica na agricultura nenhum impacto considerável foi observado ao meio ambiente ou à saúde humana ou animal. Entretanto, mesmo com os ganhos trazidos pela tecnologia dos transgênicos na agricultura seu potencial total não foi explorado.

Muitas soluções e agregação de valor a produtos agrícolas desenvolvidos por instituições públicas de pesquisa, ou mesmo empresas pequenas e médias, nunca atingiram o mercado. Um número exagerado de regras e avaliações desnecessárias, além de toda a burocracia criada por países importadores/exportadores de alimentos impediram o uso da transgenia numa escala muito maior, prejudicando o desenvolvimento tecnológico em outras culturas como hortaliças, frutíferas e mesmo na produção pecuária.

Mas a evolução tecnológica não parou e nos últimos 6 anos as técnicas de edição gênica, que já existiam desde os anos 80, evoluíram de forma muito rápida, aumentando a eficiência e a precisão na alteração do DNA de espécies de importância agrícola para a solução de problemas como doenças, resistência a pragas, e mesmo a manutenção e/ou aumento de produtividade num cenário de mudanças climáticas que vivemos. No caso da edição gênica, o DNA da própria espécie é alterado para introduzir características muitas vezes já presentes na natureza.

Este grande salto se deu principalmente pelo surgimento da técnica CRISPRs, tendo em vista seu custo reduzido, maior precisão, segurança e rapidez. Os primeiros produtos vegetais, animais e de microrganismos cujo genoma foi alterado por técnicas de edição gênica já estão entrando no mercado em vários países, introduzindo características de interesse agronômico sem a necessidade da inserção de um TRANSgene, ou seja, de DNA de outra espécie como ocorre com a tecnologia dos transgênicos.

Graças a um grande alinhamento que vem acontecendo entre vários países produtores agrícolas, que implementaram uma legislação mais assertiva com relação a biossegurança, estamos vendo uma democratização do uso de técnicas biotecnológicas na agricultura, especialmente a edição de genomas. Mais espécies de importância e mais instituições públicas e privadas de vários tamanhos, em vários países, estão começando a trazer produtos para o agronegócio desenvolvidos com o uso de técnicas biotecnológicas.

A biotecnologia é uma ferramenta estratégica para a humanidade, pois é mais uma arma na luta contra as mudanças climáticas, garantindo que continuemos produzindo alimentos de qualidade para uma população mundial em constante crescimento. Além de ajudar a trazer mais soluções, a biotecnologia no agronegócio também ajuda a agregar valor a produtos agrícolas, melhorando a qualidade nutricional, ou mesmo permitindo que o uso de produtos do agronegócio sejam melhor adequados ao uso como matérias primas para uma indústria química sustentável.

A democratização do uso da biotecnologia na agricultura permitirá, ao longo do tempo, que a presença de mais “players” no mercado traga também a redução de custos. O grande debate no momento é como a regulamentação sobre o uso de técnicas de edição gênica vai influenciar seu uso no mundo. Uma regulamentação exagerada, demasiadamente complexa e burocratizada, como ocorreu com os transgênicos, irá limitar seu uso para poucas empresas. Com isso teremos poucas ofertas de soluções, que provavelmente ficarão somente para culturas comerciais de grande valor agregado, como as commodities soja, milho e algodão.

Os países principais produtores agrícolas nas Américas possuem um alinhamento bastante sólido com relação à legislação, onde o uso das técnicas de edição gênica que resultem em produtos que poderiam ser obtidos por técnicas clássicas de melhoramento genético, têm sido considerados convencionais.  Japão e Austrália, também seguem nesta direção. A Inglaterra, que recentemente deixou a União Europeia (UE), segue com uma legislação semelhante a das Américas. A China, mesmo sendo o país que mais produz artigos científicos, e que tem investido pesado em biotecnologia, mostrando todo o potencial da edição gênica, ainda não deixou claro o caminho que seguirá. Entretanto, sinaliza que seguirá no mesmo alinhamento da maioria dos países das Américas.

Infelizmente, como ocorreu com os transgênicos, os países membros da UE têm posições que claramente irão levar a um sistema de regulamentação que irá dificultar o amplo uso de técnicas de edição gênica na agricultura. Recentemente a Comissão da UE colocou em consulta pública uma proposta de regulamentação desses produtos, que novamente irá criar dificuldades para que instituições de menor porte possam colocar produtos no mercado.

É difícil identificar se esta linha de ação da UE visa promover um “Princípio da Precaução” levado ao extremo, como ocorreu com os transgênicos, ou se existem outros interesses em não se permitir o uso da biotecnologia na agricultura por mais instituições e de forma mais ampla.

Será que defensores do meio ambiente desconhecedores (ou mal informados) do potencial da tecnologia estão sendo usados para forçar um endurecimento da legislação sobre o uso de edição gênica na agricultura? Será que intencionalmente está sendo feito um trabalho de bastidores para dificultar o uso da biotecnologia na agricultura por mais instituições? O Brasil como potência agrícola mundial, tem que estar muito atento a estes movimentos e garantir que as instituições públicas e privadas brasileiras possam usar a biotecnologia para desenvolver ainda mais a agricultura nacional.

Depender de tecnologias de genética avançada, como o uso de CRISPRs, vindas prontas somente de outros países, coloca o Brasil em uma eterna dependência tecnológica nesta área. É estratégico que sejam desenvolvidas aqui nossas próprias tecnologias e produtos nesta área. A biotecnologia será a base da bioeconomia moderna. Ela permite alterar o DNA de produtos agrícolas melhorando-os cada vez mais, não somente para a produção de mais alimentos saudáveis, mais também para uso como matéria prima na indústria da química verde.

Diversos produtos que hoje são feitos via química fóssil, a partir de petróleo, começam a ser produzidos a partir de matérias primas agrícolas, aumentando a sustentabilidade ambiental do setor de química industrial. Lutar em fóruns internacionais para garantir uma legislação global de biossegurança mais assertiva permitirá que o Brasil participe, com suas instituições, do desenvolvimento tecnológico na área da genética para a agropecuária.

A base do nosso agronegócio está na genética de nossas plantas, animais e microrganismos utilizados como bioinsumos. Temos que participar do mercado, gerando, e não somente recebendo tecnologia prontas, para garantir que boa parte dos ganhos do agronegócio brasileiro fiquem no Brasil e não saiam do país na forma de royalties.

Está mais que na hora do Brasil deixar de ser somente um grande exportador de grãos e se tornar também um grande player no desenvolvimento de tecnologias de ponta na área da genética, seja por meio do seu uso na agregação de valor aos produtos agrícolas sendo desenvolvidos, seja na obtenção de ganhos pelo desenvolvimento da tecnologia per se.

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