A cadeia produtiva de hortaliças possui ampla dimensão nacional. Estima-se que em 2022 o Valor Bruto da Produção (VBP), que projeta a receita do setor primário dentro da porteira, de apenas três culturas (batata, tomate e cebola) foi estimado em R$ 29,8 bilhões, segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Segundo a base de dados Prohort, da Conab, em janeiro de 2023 o volume de hortaliças comercializadas ficou próximo a 400.000 toneladas, nas doze Centrais de Abastecimentos (CEASAS) analisadas.
Infelizmente, uma parte destes produtos é perdida após a colheita, sendo uma das principais razões as deficiências na logística de distribuição. Essas perdas são tão maiores quanto mais distantes os locais de produção dos centros consumidores. Recentemente se constatou que a maior parte das perdas de alimento no Brasil (40%) se dá durante o transporte, em razão do uso de estruturas inadequadas de armazenamento, da má qualidade das estradas e das grandes distâncias percorridas.
As perdas em volume acarretam prejuízos diretos e indiretos para o produtor rural (que muitas vezes não consegue obter sua margem de lucro na atividade), para o mercado consumidor (que terá uma menor oferta de produtos frescos para uma nutrição adequada), para o meio ambiente (pelo uso de insumos e pela emissão de gases poluentes e uso de combustíveis obtidos de fontes não-renováveis), e para a atividade de produção de hortaliças em si, que fica fragilizada pelo alto valor das perdas geradas. Estima-se hoje que há uma perda média de pelo menos 33% de toda hortaliça produzida – não houve perda apenas do alimento em si, mas desperdício de terra que foi cultivada, água utilizada, adubo aplicado.
Para garantir a oferta de folhosas e maçarias (hortaliças vendidas em maços) frescas todos os dias nas centrais de abastecimento, supermercados e demais pontos de comercialização, os cinturões verdes (pólos de produção de hortaliças próximos a grandes centros urbanos) têm buscado por melhorias nos sistemas de produção, a fim de se tornarem a cada dia mais produtivos e eficientes. O que torna estes empreendimentos viáveis, sem dúvida, é a utilização de tecnologia intensiva e escolha apropriada das espécies, cultivares e sistemas de produção utilizados.
Para trazer a agricultura de fato para o interior dos centros urbanos, em 2018 o Governo Federal criou o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, com o objetivo de apoiar os municípios na definição de áreas aptas, bem como auxiliar as prefeituras na prestação de assistência técnica, através da publicação de editais. Assim, entes interessados podem receber recursos para despesas de capital e de custeio.
Por fim, o programa também prevê que linhas especiais de crédito sejam estabelecidas, o que na prática ainda é um desafio.
Agricultura urbana se refere principalmente à produção de alimentos e outros produtos vegetais em áreas urbanas e periurbanas, normalmente usando-se áreas e construções tipicamente urbanos, como terrenos baldios, armazéns, estacionamentos e edifícios.
A crise econômica de 2008, tragédias como o tsunami de Fukushima de 2011 e, principalmente, a pandemia de Covid-19 deixaram claro o quanto o abastecimento alimentar dos centros urbanos é frágil e dependente. Todos esses fatores têm reforçado a percepção de que as cidades precisam produzir pelo menos parte dos alimentos que consomem.
A agricultura urbana, a qual produz majoritariamente alimentos frescos, ou seja, frutas e hortaliças, por definição ataca um grave problema dos grandes centros urbanos contemporâneos, os chamados desertos alimentares, que são áreas onde o acesso a alimentos frescos ou minimamente processados é escasso ou impossível.
Muitas dificuldades podem ser enumeradas ao trazer a produção de hortaliças para o interior das cidades, considerando os sistemas produtivos tradicionais: o primeiro, é o fato de que o alto custo da terra em áreas urbanas condiciona as áreas reservadas para a produção de hortaliças às áreas com intensos problemas de fertilidade do solo, o que pode levar ao uso massivo de insumos, em especial quando a agricultura é desenvolvida diretamente no solo.
Encontrar fontes adequadas de água para a irrigação, em que não exista contaminação com metais pesados, hidrocarbonetos, agentes biológicos patogênicos, etc. pode ser considerado como outro desafio. Além disso, a poluição do ar causada por tráfego de veículos, entre outros fatores, faz com que as plantas cresçam e produzam em possíveis condições de estresse severo. O furto das hortaliças nestes locais também tem sido uma preocupação.
Apesar da alimentação humana historicamente basear-se na ingestão de grãos e produtos de origem animal (alimentos básicos), sabe-se que uma dieta rica em porções de vegetais frescos tem o potencial de fornecer a quantidade de macro e micronutrientes requeridas pelo organismo humano para o seu adequado funcionamento. Muitas vezes, outras fontes alimentares podem não ser capazes de fornecer micronutrientes em quantidades mínimas requeridas, configurando uma situação de subnutrição.
As hortaliças também possuem substâncias biologicamente ativas com efeito antioxidante. Estas substâncias possuem ação antagônica aos radicais livres produzidos constantemente pelas atividades metabólicas humanas, e que aumentam na medida em que o corpo é submetido a situações de estresse, como é o caso de cidadãos urbanos. A atividade antioxidante é de suma importância no combate de Doenças não-transmissíveis (DNT’s), como o câncer, aterosclerose, artrite reumática, entre outras.
Porém, alimentos preferidos pelas populações urbanas, com altos teores de açúcares e conservantes na maioria das vezes são insuficientes para a manutenção da saúde e podem até mesmo auxiliar os processos de estresses oxidativos, culminando em doenças associadas às dietas.
Além das perdas físicas, as distâncias percorridas no transporte das hortaliças também podem levar à perda de qualidade nutricional. A atividade antioxidante inicial presente nos vegetais pode reduzir pela ação do tempo, temperatura, grau de maturação, variedade, clima, sistema de cultivo e/ou processamento e tratamento térmico, de forma que quanto mais longas as cadeias produtivas, menos nutritivos tendem a ser os vegetais.
Apesar de a cadeia produtiva de hortaliças ser uma atividade pujante no Brasil, todos os obstáculos expostos nos levam a perceber que novos modelos de produção precisam ser popularizados para garantir a nutrição adequadas dos consumidores, em especial nos grandes centros urbanos.
A alimentação adequada é um direito humano, fundamental e social, e está previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição Federal, definido pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Além disso, estamos há muito pouco tempo da efetividade dos 17 objetivos e 169 metas da Agenda 2030 da ONU. A ODS 2 (Fome Zero e agricultura sustentável) e a ODS 3 (Saúde e Bem-estar) possuem um total de 14 metas, entre as quais pelo menos sete estão totalmente relacionados a mudanças nos sistemas alimentares, redução de todo tipo de desnutrição e redução da mortalidade por doenças não-transmissíveis.
Germinar sementes (produzir brotos) para consumo já era uma prática egípcia desde cerca de 3000 A.C. e ainda hoje, produzir brotos de fava, grão-de-bico, etc. é uma prática comum entre famílias egípcias. Estudos mostram que fatores antinutricionais, como inibidores de tripsina, ácido fítico, pentosano, tanino e cianetos, diminuem durante o processo de germinação, enquanto o conteúdo de compostos benéficos à saúde, como antioxidantes são aumentados.
Microverdes
“Microverdes” é um termo utilizado para nomear hortaliças, ervas aromáticas, condimentares e até mesmo espécies silvestres que são cultivadas e colhidas poucos dias após a semeadura. Normalmente são cultivados até o grau máximo de expansão cotiledonar e são colhidos quando atingem entre 5 e 10 cm de comprimento. A porção colhida inclui hipocótilo e cotilédones, e pode haver ou não a presença de folhas verdadeiras. Os tratos culturais da produção de microverdes são diferentes dos realizados no cultivo de produtos já conhecidos como os “brotos” e folhosas “baby leaf”. Isto porque brotos são basicamente sementes germinadas de cereais, leguminosas, oleaginosas e hortaliças com ciclo de produção ainda mais curto.
Os microverdes diferem dos brotos por necessitarem de um meio de cultivo e luminosidade, enquanto na produção de brotos, ambos não se aplicam. Por serem cultivados na presença de luz e portanto, realizarem fotossíntese, os microverdes possuem sabor mais marcante e maior amplitude de colorações quando comparados aos brotos. Além disso, os brotos possuem normativas legais de produção no Brasil, como a Portaria Nº 52, que em seu Art. 98 regulamenta que brotos comestíveis devem ser produzidos a partir de grãos e outros materiais obtidos em sistemas orgânicos. Na produção de microverdes ainda não existem normativas legais.
Já as baby leaf, ou colheita jovem, são colhidas por um período mais curto em comparação com as mesmas culturas colhidas em seu ciclo comum, mas em seu estádio de colheita podem chegar até seis folhas verdadeiras e possuir cerca de 7 a 15 cm de comprimento, dependendo da espécie.
Os microverdes podem tornar a alta cultura gastronômica mais democrática e acessível: eles possuem sabor marcante (sendo apreciados até mesmo pelo público que não tem o hábito de consumir hortaliças), textura tenra e delicada, e alta qualidade visual. Os microverdes ornamentam pratos com beleza e sofisticação.
Estes produtos podem ter alto custo de comercialização, sendo opções rentáveis para horticultores que desejem aumentar seu fluxo de caixa (pela agilidade das colheitas), mas também podem ser facilmente produzidos pelo público urbano. Os custos de produção se baseiam na aquisição de sementes apropriadas (sem tratamento químico) e algum tipo de substrato. Embalagens para a produção podem ser reaproveitadas, e poucos espaços são requeridos.
Estudos já demonstraram que microverdes de manjericão podem ter teores de filoquinonas 7,8 vezes superior à sua contraparte colhida em estádio convencional. Microverdes das famílias Brassicaceae, Fabaceae, Pedaliaceae, Polygonaceae, Convolvulaceae e Malvaceae têm em comum o fato de possuírem baixo teor de calorias (entre 22.60 a 53.43 KCal a cada 100g) e gorduras (0.15 a 0.66 g.100 g).
Microverdes de lentilha (Lens culinaris) podem ser boas fontes proteicas (6.47 g/ 100 g), enquanto microverdes de feijão moyashi ou feijão mungo (Vigna radiata) podem ser uma boa fonte de carboidratos (4.55 g/ 100 g). O teor lipídico de microverdes é insignificante e comparável aos valores de demais hortaliças folhosas. Além dos aspectos organolépticos e teores de compostos bioativos, os microverdes também têm ganhado atenção por serem relevantes por possuírem conteúdo nutricional rico em micronutrientes.
Democráticos, acessíveis, nutritivos e altamente palatáveis, os microverdes possuem grande potencial de diversificar a dieta dos cidadãos urbanos, introduzir melhores hábitos alimentares (por exemplo, para o público infantil) e garantir o suprimento de micronutrientes e compostos com atividade antioxidante, reduzindo a incidência de DNT’s nas grandes cidades.
Os microverdes tem potencial de serem úteis na familiarização das grandes cidades com os atributos sensoriais, sendo alimentos funcionais nas dietas diárias. Sabe-se que o cultivo de microverdes em ambiente doméstico pode contribuir para o bem-estar e a saúde de quem o pratica. As práticas da agricultura urbana social, em especial quando há aplicação da fitotecnia e uso intenso dos fatores de produção proporcionam uma alimentação mais saudável, saúde, bem-estar, recreação, lazer, mas o cultivo específico de microverdes também auxilia na obtenção destes benefícios sem a necessidade de adequação de espaço ou na estrutura.
Finalmente, são vários os benefícios para o “produtor urbano”, complementado com o próprio cultivo na sua horta em casa, sendo que esta prática “bilateral” fecha o ciclo virtuoso de melhor entendimento e conexão campo-cidade, valorizando assim, os produtores e gerando consumidores mais conscientes. “Quem planta em casa valoriza mais a hortaliça que encontra na gôndola do supermercado ou na feira da sua cidade”.
Warley Marcos Nascimento – chefe-geral da Embrapa Hortaliças
Janlylle R. Yankovich Arrifanole – mestranda da UnB, Isla Sementes
Italo Moraes Rocha Guedes – pesquisador da Embrapa Hortaliças
Diana Werner – diretora-presidente, Isla Sementes