sexta-feira, 06 de setembro de 2024

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Mudas em favor da ciência e contra o colapso dos morangos

Tags: ciência, cultivar, Emater-MG, Epagri

Em tempos em que nuvens cinzentas sobrevoam os pilares fundamentais da ciência no Brasil, é justamente a ação de um grupo de pesquisadores de instituições ligadas ao agronegócio e universidades do Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo que trabalha para evitar um colapso na produção de morangos do País nos próximos anos.

A cultura – que hoje é fonte de renda para cerca de 25 mil famílias da agricultura familiar nacional distribuídas por 6 mil hectares – vive um panorama de médio/longo prazo de nebulosidade, já que a alta do dólar fez com que os custos de produção disparassem, principalmente na compra de mudas estrangeiras. Há décadas o Brasil vive uma dependência de materiais vindos do exterior, com programas de melhoramento ligados principalmente aos EUA e Espanha. Mais do que isso: mudas como San Andreas e Albion, muito utilizadas por aqui, precisam passar por viveiros da Patagônia para adquirir horas de frio e, assim, entrar no País um pouco mais adaptadas.

Com essas mudas chegando atualmente ao Brasil entre R$ 1,20 a R$ 1,70 por unidade, e que precisam ser pagas com 90 dias de antecedência pelo pequeno agricultor, cabe a um grupo de pesquisadores encabeçado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e que conta com instituições nacionais importantes como Instituto Agronômico (IAC), IDR-PR, Emater-MG, Epagri, entre outras, para mudar esse cenário, produzindo mudas genuinamente brasileiras, já adaptadas ao clima nacional, mais produtivas e com menor preço. A expectativa é que elas cheguem ao mercado em dois anos.

Juliano Resende, responsável pela Rede Morangos do Brasil: “País não lança uma cultivar de morango há mais de 30 anos. Se a pesquisa não agir, cultura pode entrar em colapso em pouco tempo” (Foto: Ricardo Chicarelli)

Juliano Vilela Resende, professor da área de horticultura da UEL é um dos principais responsáveis pela chamada Rede Morangos do Brasil. Em meio ao campo de melhoramento genético da universidade com milhares de mudas que estão sendo trabalhadas, ele fala com paixão sobre a pesquisa e a importância dela para a agricultura familiar nacional. “O Brasil não lança uma cultivar de morango há mais de 30 anos. A última foi desenvolvida pelo IAC, em 1990, chamada Guarani. Conversando com um grupo de pessoas da área técnica e científica ligados ao morango há cerca de três anos, percebemos que se não trabalhássemos com cultivares brasileiras a cultura poderia entrar em colapso em cinco anos”, relembra o pesquisador.

Bem, com a contagem regressiva aberta para um cenário difícil, o grupo de cientistas começou a atuar intensamente, cada um na sua expertise e instituição: melhoramento genético, sistemas de produção e pós-colheita, doenças e produtos biológicos, nutrição, manejo integrado e área molecular. Tudo para encontrar um denominador comum que beneficie os produtores de morango do Brasil. “Hoje estamos com 20 potenciais cultivares de morango para serem testadas, mas ainda é difícil de saber quantas de fato vão chegar aos produtores neste futuro próximo. Mas a expectativa é que isso aconteça já em 2023”, projeta Resende.

 

Rede Morangos do Brasil conseguiu um aporte de R$ 630 mil da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) (Foto: Ricardo Chicarelli)

Pesquisa científica x burocracia

Antes disso, é preciso vencer uma etapa importante e burocrática. A partir do início do ano que vem, essas cultivares que estão sendo melhoradas precisam ir a campo e colocadas lado a lado com as mudas estrangeiras para provar sua eficiência produtiva e fitossanitária e, assim, conseguir o registro junto ao Ministério da Agricultura (Mapa). “Teremos pelo menos 5 unidades de produção instaladas pelos estados: estamos projetando Rancho Queimado (SC), região serrana do ES, sul de MG, Atibaia (SP) e  aqui no Paraná em Londrina e Curitiba”.

Para isso, a Rede Morangos do Brasil conseguiu um aporte de R$ 630 mil da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), ligada ao governo do Paraná. “Precisamos agora adquirir o carro, contratar os bolsistas para iniciar o trabalho de fato nos outros estados. Neste momento, estamos fazendo a limpeza clonal das matrizes, produzindo mudas e assim ir ao campo para seguir no ano que vem com esses registros”.

Em relação as mudas em si, os resultados adquiridos no campus da universidade londrinense são bem promissores. A pesquisa aponta uma produtividade em torno de 1,2 kg a 1,3 kg de morango por planta, contra 600g a 700g das cultivares que vêm de fora do Brasil. “Também estamos preocupados com a qualidade fitossanitária, utilizando variedades antigas já fora do mercado para melhorar, por exemplo, o controle da antracnose, e ainda pensando no consumidor trabalhando na doçura, nível de vitamina C, firmeza, cor interna, entre outras características”, complementa o pesquisador.

Com mudas adaptadas e genuinamente brasileiras, a expansão da cultura parece ser algo natural para o grupo de pesquisadores. “Podemos já pensar em produzir morango no Centro-Oeste, no Sul da Bahia e outras regiões”.

“No agro, todo o trabalho de base foi feito pela pesquisa pública”

“Nós temos tradicionalmente no País uma tendência a entender a pesquisa como algo distanciado da realidade. Mas foram justamente as instituições públicas de pesquisa do País que conseguiram trabalhar em tecnologias hoje presentes e sem dúvida o agro é um grande exemplo disso”. É dessa forma que o superintendente de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, Aldo Nelson Bona, respondeu ao Conexão Agro quando questionado sobre o momento que o País com parte da sociedade gerando dúvidas sobre a credibilidade da ciência como um todo. “Infelizmente, em nível nacional, temos acompanhado um decréscimo muito grande de recursos destinados à ciência”, lamenta.

No Paraná, o volume aplicado em projetos ligados à ciência mostra que o estado está na contramão desse sucateamento nacional. A Unidade Gestora do Fundo Paraná, que fica dentro da SETI, aplicou R$ 25,6 milhões em projetos durante 2020. Deste total, em torno de 13% (R$ 3,35 milhões) foram direcionados para projetos ligados a Ciências, Tecnologias Agrárias e Agronegócios. Além disso, a Fundação Araucária investiu cerca de R$ 30 milhões em projetos em 2020, sendo R$ 5 milhões voltados para ciências agrárias. Portanto, pesquisas vinculadas ao agro receberam de órgãos ligados ao governo estadual pelo menos R$ 8,35 milhões para seguir com suas demandas científicas.

Aldo cita ainda que entidades públicas como a Embrapa Soja foram fundamentais para trazer toda uma base de conhecimento ao agro e, assim, fortalecer a cadeia para que outras entidades de pesquisa pudessem, inclusive, trabalhar em temas ramificados posteriormente. “Não podemos esquecer que o trabalho de base, como aconteceu com a soja e o plantio direto, foi feito pela pesquisa pública, muito importante para o País. É o que queremos novamente fazendo a articulação em nível nacional da Rede Morangos do Brasil”.

“Queremos ir na contramão da tendência nacional que está diminuindo o investimento em pesquisa”, salienta o superintendente da SETI, Aldo Bona (Foto: Divulgação/SETI)

Além dos morangos, os trabalhos da superintendência junto ao agro também fazem aporte a outros projetos importantes no Paraná, como o hub de Inteligência Artificial no agro em Londrina juntamente com a sociedade civil organizada e também o projeto Seda o Fio que Transforma, voltado aos agricultores familiares que atuam na produção do bicho da seda e que todo o volume produzido é voltado para a exportação. “Também iniciamos agora, junto ao governo do Estado, uma rede genômica que intitulamos Vale do Genoma, sediado em Guarapuava, que tem por objetivo estudos em torno da pesquisa genética na pecuária, agricultura, e também para a saúde humana”. “Nós queremos ir na contramão da tendência nacional que está diminuindo os recursos em pesquisa. Precisamos que os poucos recursos que temos possam ser aplicados com maior eficiência e assim possamos gerar soluções aos problemas locais que enfrentamos”.

Morangos nas mãos e cabeça no doutorado

O jovem Luiz Vitor Barbosa de Oliveira é um daqueles produtores do Estado que colocam a mão na terra, mas sabe a importância da pesquisa para o desenvolvimento do agronegócio paranaense. Estudante do 4º ano do curso de agronomia da UEL, ele acompanha os professores in loco na cultura e estava ajudando nas pesquisas da Rede Morangos do Brasil. No final do ano passado, junto com um sócio, tomou uma decisão: levar o conhecimento que adquiriu na universidade para uma área de 1.800 metros quadrados e tocar uma produção de sete mil mudas de morango importadas da Espanha e do Chile.

O produtor e estudante Luiz Vitor Oliveira apostou R$ 19 mil para implementar a cultura, sendo 60% do montante só com as mudas importadas. (Foto: Arquivo pessoal)

Oliveira, como muitos produtores de morango, apostou nas cultivares San Andreas e Albion, no sistema orgânico de túnel baixo. Não demorou muito para o jovem agricultor entender a importância da pesquisa sobre as variedades genuinamente brasileiras, afinal, teve que desembolsar quase R$ 11 mil com boa antecedência para receber as mudas, que custaram entre R$ 1,32 e R$ 1,68 a unidade – preço elevadíssimo. “Do total de R$ 19 mil que gastei, quase 60% foram com as mudas importadas. E olha que comprei no ano passado, se tivesse esperado e adquirido agora em 2021, teria pago ainda mais caro devido à alta do dólar. Só esses custos já mostram a importância da pesquisa da UEL”, salienta.

Bem, falando tecnicamente do manejo das mudas importadas, o jovem produtor já aponta alguns cenários que seriam diferentes se já tivesse lidando com as mudas nacionais. “No campo, você já percebe que as mudas espanholas soltam muitos estolões, uma parte vegetativa que quando em grande quantidade acaba provocando a emissão de menos flores e, assim, menos frutos. O manejo se torna mais difícil, porque é preciso retirá-los para induzir melhor a florada”, explica.

De qualquer forma, a expectativa do produtor é boa na área. Numa projeção conservadora, ele espera produzir em torno de 500 gramas por planta e vender de R$ 30 a R$ 40 o quilo da sua produção orgânica, que é consorciado com alho, tem lavanda para atrair as abelhas para a polinização e hortelã que ajuda no controle da mosca branca. “Gosto muito dos morangos e meu objetivo é fazer meu mestrado e doutorado na cultura, além de ter minha área própria para produção de outras culturas”, complementa o estudante e agricultor.

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