A antracnose, uma das doenças mais graves que afetam as plantações de café, representa um sério problema fitossanitário devido às potenciais perdas econômicas que pode causar na produção da fazenda. Muitas vezes, é confundida com a doença das cerejas do cafeeiro devido à semelhança dos sintomas.
Além de reduzir os rendimentos, a antracnose pode afetar negativamente os lucros dos cafeicultores, já que pode fazer com que o café apresente sabores fenólicos. Esta doença está frequentemente associada à ferrugem, e a combinação de ambas pode ter um impacto devastador na produção.
Para entender melhor essa doença, conversei com três especialistas da América Central que se dedicam ao estudo da antracnose.
Antracnose do café ou CBD?
A antracnose, um problema causado pelo fungo Colletotrichum coffeanum, foi identificada pela primeira vez em 1901 pelo botânico alemão Fritz Noack, com base em amostras coletadas no Brasil e na Costa Rica.
Para entender melhor a antracnose do café, é importante definir o que ela é, já que muitas vezes é confundida com a Doença das Cerejas do Café (CBD), que também é causada por fungos da mesma família, mas de espécies diferentes.
Miguel Barquero, Chefe da Unidade de Pesquisa do Instituto do Café da Costa Rica (ICAFE), explica que a CBD (Colletotrichum kahawae) é um fungo específico que ataca os frutos de café jovens, geralmente de 2 a 16 semanas após a florada. Acredita-se que a CBD tenha surgido no Quênia, na década de 1920. Embora seja semelhante à antracnose, ela ainda não chegou às Américas.
Érika Méndez, biotecnóloga do Laboratório de Biologia Molecular do ICAFE, ressalta que “a antracnose é distinta da CBD pelos sintomas”. Ela observa que a CBD pode prejudicar os grãos verdes, resultando em perdas de até 80%. No entanto, a principal diferença é que a antracnose afeta toda a planta.
Érika explica ainda que a antracnose atinge as folhas, flores e frutos, causando escurecimento e apodrecimento, conhecido como mumificação. Além disso, quando a doença está avançada, é possível ver manchas nas folhas e pontos pretos nos grãos a olho nu. Essa doença leva à queda de folhas e à morte de galhos, especialmente em plantas mais fracas, ocorrendo em diferentes condições e altitudes.
Atualmente, há poucos dados sobre os efeitos da antracnose nos países produtores das Américas. Um estudo sugere que, em condições ambientais favoráveis e com ataques severos, a doença pode levar a perdas na produção de 10% a 50%.
Como se propaga a antracnose?
A maneira como a antracnose se espalha é influenciada por vários fatores, sendo a chuva um dos principais. Edgar Velasco, Engenheiro Agrônomo e Gerente de Cultivos de Café e Vegetais na UPL, empresa de Agricultura Sustentável na Guatemala, destaca que a alta umidade e as chuvas frequentes, com temperaturas entre 20 e 25 graus Celsius, favorecem o desenvolvimento da doença.
Ele observa que a antracnose é detectada em toda a América Central em qualquer época do ano, com maior incidência nas folhas durante julho e agosto, alcançando até 38% a 40%. Isso sugere que a doença é mais intensa durante os períodos chuvosos.
A propagação do fungo geralmente ocorre por meio de respingos de chuva, que carregam esporos de uma folha para outra. Os esporos também podem ser transportados pelos trabalhadores em suas roupas, semelhante a outras doenças como a ferrugem e a mancha americana. Essas condições, somadas à fragilidade das plantas doentes ou mal nutridas, criam um ambiente favorável para a antracnose.
Érika, outra especialista entrevistada, menciona que outras doenças, além de ferimentos e carências nutricionais, contribuem para a propagação da antracnose. Em contrapartida, os cafezais saudáveis são mais resistentes à doença.
Além disso, práticas de manejo inadequadas de pragas e doenças, estresse devido à exposição direta ao sol e danos às raízes causados por diversas pragas também ajudam na propagação da antracnose.
A relação entre a ferrugem e a antracnose
A relação entre a ferrugem e a antracnose é clara, já que a presença de uma torna o cafeeiro mais vulnerável à outra. Para entender melhor essa ligação, é importante considerar como a climatologia afeta a manifestação e a intensidade dos sintomas dessas duas doenças. Miguel destaca que o avanço de ambas pode variar dentro do mesmo país, dependendo especialmente da umidade do ar, da água sobre as plantas e da temperatura.
As consequências de ambas as doenças agindo ao mesmo tempo são significativas, como observado por Edgar: “A queda de folhas causada pela ferrugem e o ataque de antracnose prejudicam o amadurecimento normal dos frutos, aumentando os frutos vazios, afetando a transformação de café maduro em pergaminho”.
Érika destaca que o cultivo de variedades que toleram certo nível de ferrugem pode levar a uma redução na aplicação preventiva de fungicidas pelos agricultores. Isso resulta em um controle ineficaz do Colletotrichum nas plantações, o que, com problemas de nutrição e danos mecânicos, pode promover o crescimento da antracnose.
Essa situação é particularmente preocupante para pequenos cafeicultores, que não têm os recursos necessários para implementar medidas preventivas adequadas. Edgar observa que algumas fazendas não têm acesso a produtos sistêmicos e realizam apenas um manejo básico de pragas, tornando a combinação de ferrugem e antracnose ainda mais prejudicial devido à perda de folhas.
Como identificar os sintomas
É crucial para os cafeicultores identificar os sintomas da antracnose para poderem agir a tempo e controlar sua disseminação. No entanto, essa doença pode ser sorrateira, pois muitas vezes não mostra danos visíveis até que a infecção esteja avançada, como menciona Edgar: “ela avança sem alarde, e quando você percebe, é difícil controlá-la”.
A antracnose pode atingir as plantas em todas as fases de crescimento, desde o viveiro até a colheita, mas os danos são mais comuns em plantas em crescimento e em produção. No início da infecção, as folhas desenvolvem manchas necróticas de cor marrom, cinza ou preta, começando nas bordas e se espalhando para o centro.
Os ramos também sofrem mudanças, ficando escuros à medida que o tecido se deteriora. E isso pode levar à morte das plantas afetadas, dependendo do estágio. Nos frutos, podem surgir pequenas manchas escuras e afundadas, que se expandem gradualmente, cobrindo-os completamente.
No entanto, identificar com precisão a antracnose pode ser desafiador devido à existência de pelo menos seis variedades diferentes da doença na América Central, conforme observado por Miguel. Essas variedades podem causar sintomas semelhantes em folhas, ramos e frutos durante os estágios iniciais da infecção.
Miguel destaca a dificuldade de determinar a espécie do patógeno apenas observando as manchas, enfatizando que a confirmação do diagnóstico requer análises em laboratórios especializados.
Então, como prevenir a antracnose?
Para prevenir a antracnose, é importante considerar várias estratégias. Uma abordagem fundamental, como destaca Érika, é desenvolver variedades de café resistentes à doença. Pesquisadores em toda a América Latina estão atualmente focados nesse objetivo. Além disso, ela enfatiza que a prevenção é sempre a melhor forma de combater a doença e suas variantes. Isso envolve garantir que as plantas recebam nutrição adequada e realizar fumigações preventivas.
Manter a cultura bem nutrida é crucial, e isso pode ser feito mediante análises laboratoriais do solo e da folhagem, conforme apontado por Edgar. Com base nessas análises, os produtores podem tomar medidas específicas para atender às necessidades das plantas. Outra recomendação importante é a nutrição foliar, utilizando fertilizantes líquidos que podem ser aplicados diretamente nas folhas, melhorando a qualidade dos grãos e das flores, como ele aconselha.
Além disso, é crucial fornecer o devido sombreamento às plantações para evitar a acumulação de umidade, de acordo com Edgar. Manter o solo limpo ao redor das árvores de café também é essencial para manter o sistema radicular saudável e reduzir o risco de infecção pela antracnose.
O que fazer diante de uma infestação
Quando se identifica uma infestação de antracnose, é crucial que o cafeicultor tome medidas imediatas para evitar perdas significativas.
Edgar enfatiza a importância de monitorar continuamente a plantação, especialmente após a colheita, para detectar a presença de antracnose e ferrugem. Ele sugere iniciar a aplicação adequada de fungicidas, especialmente aqueles do grupo dos triazóis, que são eficazes contra a antracnose. “Nossa sugestão é tentar aplicar em toda a plantação. Se isso não for possível, recomenda-se focar em uma área com um raio de cinco a oito metros ao redor do foco. Isso ajuda a prevenir a propagação da infecção para áreas não visíveis”.
Por sua vez, Érika destaca a importância da gestão química adequada, incluindo a rotação de produtos e o uso de fungicidas com diferentes mecanismos de ação. Isso é crucial para evitar que o fungo desenvolva resistência aos tratamentos e garantir uma eficácia prolongada no controle da doença.
Dificuldades para os cafeicultores
A antracnose pode afetar qualquer produtor, independentemente do tamanho de sua fazenda, mas para os cafeicultores de médio e pequeno porte, a falta de recursos econômicos é uma das preocupações mais urgentes na prevenção e combate à doença. “O maior desafio é aumentar a resiliência das fazendas cafeeiras diante das constantes variações climáticas e as mudanças no comportamento dos patógenos são consequências dessas mudanças”, afirma Miguel.
Para ele, um dos pesquisadores mais dedicados ao estudo da antracnose na América Central, a aplicação da ciência e uma compreensão mais profunda do efeito do clima sobre as plantas e os microrganismos presentes nas plantações são temas constantes de atenção e estudo.
Edgar, em sua experiência de campo, observou que os pequenos produtores enfrentam dificuldades financeiras, pois os altos custos de produção e a falta de políticas governamentais para acesso a créditos acessíveis tornam a luta contra a antracnose ainda mais difícil.
Manter o cultivo saudável e bem nutrido é a melhor forma de evitar a antracnose. No entanto, assim como outras doenças que afetam o café, os produtores precisam de recursos para prevenir ou combater essa enfermidade.
Isso requer uma colaboração entre técnicos, pesquisadores e produtores. Além disso, é crucial promover mais pesquisas sobre a doença e desenvolver novas variedades de café mais resistentes. A resiliência dos cafeicultores dependerá da qualidade da assistência técnica e dos esforços conjuntos de diversos atores da indústria.
*Diana Fisgatvia Garzón - Jornalista Colombiana radicada em Londres, onde trabalha como torrefadora de cafés. Apaixonada por café verde e por todas as histórias por trás de cada xícara.
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