Uma série de pesquisas realizadas com diferentes rizobactérias (atuantes na raiz) demonstraram que alguns microrganismos podem ser importantes aliados da agricultura. Eles atuam melhorando os processos fisiológicos da planta, promovendo melhor absorção de nutrientes ou facilitando a sua disponibilização. O resultado são plantas maiores, mais resistentes a doenças e com maior produtividade. Com fertilizantes importados cada vez mais caros, o uso desses insumos biológicos podem representar uma importante economia ao produtor. Os experimentos comprovaram ganhos importantes em lavouras de arroz, feijão e milho.
Em uma pesquisa realizada pela Embrapa Arroz e Feijão (GO), foi medido o efeito de bactérias que habitam o solo sobre plantas de arroz de terras altas. O trabalho se valeu do conhecimento prévio acerca de seis tipos de microrganismos que reconhecidamente promovem benefícios para as culturas agrícolas, mas ainda pouco estudados com o cereal.
Em laboratório, para cada uma dessas bactérias selecionadas, foi feita uma solução aplicada a sementes de arroz em um processo chamado microbiolização. Em meio de cultivo em tubos de ensaios, houve o desenvolvimento de mudas que, ao serem analisadas com o auxílio de equipamentos de processamento e programas de avaliação de imagens, apontaram um resultado promissor como o maior arranque inicial e melhor desenvolvimento radicular das plântulas.
Nos testes, as raízes das mudas de arroz tratadas com um tipo de bactéria chamada Azospirillum foram 86% mais longas que o tratamento controle, que não recebeu nenhum microrganismo. Além disso, houve ainda, comparativamente, um incremento de mais de 100% no volume de raízes. De acordo com um dos coordenadores desse estudo, o pesquisador Adriano Nascente, da Embrapa, isso pode representar para a planta maior capacidade em absorver nutrientes do solo, o que pode impactar positivamente na produtividade.
Outro trabalho, coordenado por Nascente e semelhante ao realizado com o arroz de terras altas, foi conduzido com a cultura do milho com resultados parecidos, obtidos também em ambiente de cultivo controlado. O microrganismo Azospirillum proporcionou maiores valores em comprimento, diâmetro, volume e massa seca das raízes, além da massa seca de parte aérea e massa seca total em comparação ao tratamento controle (sem a bactéria).
Além de Azospirillum, o cientista conta ainda que já foi comprovado em ambiente de laboratório que outras rizobactérias do tipo Bacillus, Burkholderia e Serratia são capazes de gerar maior desenvolvimento de raízes em plantas de soja, arroz e de milho (veja estudo), esses microrganismos proporcionaram entre 24% e 31% de aumento do comprimento de raízes em plantas de arroz irrigado por inundação.
Do laboratório para o campo
O avanço em etapas de pesquisa com a condução de trabalhos inicialmente realizados em laboratório para situações de campo são importantes também para entender melhor como funcionam mecanismos biológicos complexos de interação, aliados a práticas de manejo das lavouras. Em outro trabalho, a equipe que Nascente avaliou combinações de Serratia, um gênero de bactéria, com diferentes doses de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) em áreas experimentais de arroz de terras altas na Fazenda Capivara, pertencente à Embrapa e localizada em Santo Antônio de Goiás (GO). O objetivo foi maximizar o efeito desses macronutrientes, por meio de sua associação com o microrganismo.
Nesse caso, as sementes também passaram pelo procedimento de microbiolização antes da semeadura e, aos sete e aos quinze dias após o plantio, o solo recebeu pulverizações com a mistura líquida com Serratia previamente preparada em laboratório. O resultado de três colheitas foi um aumento médio de produtividade em 17% (cerca de 630 quilos por hectare a mais, considerando a produção total de 3.700 quilos por hectare ou 61 sacos de arroz) nos locais em que a bactéria estava presente em comparação com a área que não possuía o tratamento com o microrganismo.
Já o aumento médio na produtividade de grãos para cada macronutriente combinado à bactéria Serratia foi de 16% para potássio, 17% para nitrogênio e 23% para fósforo. Em relação a este último elemento, ocorreu um fato importante que chamou a atenção dos pesquisadores: Não existiu diferença no rendimento de grãos para os tratamentos de Serratia com e sem fertilizantes fosfatados. Isso sugere um benefício proporcionado pelo microrganismo.
A pesquisadora Marta Cristina Corsi de Filippi, que participou desse estudo, explicou essa evidência. “A bactéria Serratia secreta ácidos orgânicos e enzimas capazes de transformar o fósforo já presente no solo em formas solúveis e capazes de serem absorvidas pelas raízes das plantas de arroz. Assim, podemos considerar que os teores de fósforo que existiam na área antes do plantio, devido a adubações anteriores, porém indisponíveis para as plantas, igualava-se a um estoque que foi disponibilizado para a lavoura quando houve a atividade biológica da bactéria Serratia”, detalha a cientista.
Conforme a pesquisadora, as perspectivas são muito positivas, pois esse estudo com Serratia pode originar um produto comercial. “Estamos trabalhando em parceria com o setor privado. Como fruto desta parceria, teremos um produto comercial, que levará junto indicadores de qualidade para a produção no sistema on farm. Os resultados obtidos com a aplicação desse microrganismo, desde os ensaios preliminares de laboratório até os testes em campo, com parcelas maiores, nos revelaram que, além de melhorar o estado nutricional da planta, houve também melhoria da sanidade. As plantas se tornaram mais saudáveis, desde a raiz até a parte aérea. As plantas de arroz tratadas com Serratia apresentaram até 60% menos doenças, como mancha parda, queima da bainha e brusone, a doença mais prejudicial ao arroz”, relata.
Controle de qualidade necessário
O estudo com microrganismos em associação a plantas pode gerar produtos comerciais que podem vir já prontos, bastando comprá-los e aplicá-los nas lavouras, ou podem ser adquiridos os agentes biológicos para o procedimento de produção do bioinsumo dentro da própria fazenda (on farm). Em ambos os casos, trata-se de uma prática que requer a observação de critérios de qualidade.
De acordo com Marcio Vinicius Côrtes, analista em microbiologia e bioinsumos da Embrapa, o controle de qualidade é uma atividade importante. “Trata-se de uma das etapas imprescindíveis na produção dos bioinsumos, independentemente do modelo de produção utilizado. A qualidade do bioproduto está atrelada à sua eficiência no campo. A preocupação com a concentração adequada de células microbianas e a pureza do bioinsumo, ausência de microrganismos contaminantes são fatores chave para que o produto alcance o seu efeito esperado”, ressalta.
Para tanto, a produção dos bioinsumos envolve investimentos em infraestrutura e em acompanhamento de profissionais capazes de zelar pela qualidade dos procedimentos de fabricação. O especialista frisa que todas as etapas do processo de produção de bioinsumos contêm pontos críticos, desde a recepção da matéria-prima até o estoque do produto final, formulado e envasado ou não.
Ele ainda ressalta que a utilização de uma estirpe ou cepa autêntica e reconhecidamente eficiente é outra condição mínima para o sucesso dessa prática. “Somado aos investimentos em equipamentos e adequação das estruturas prediais da planta de produção, é necessário que a equipe envolvida nos processos desenvolvam protocolos, façam registros e realizem acompanhamento constante das diversas etapas relacionadas, tomando ações preventivas e corretivas, quando necessário, dentro do contexto das Boas Práticas de Fabricação”, recomenda Cortez.
De acordo com ele, a não observação de procedimentos de qualidade pode gerar danos à produtividade, ao trabalhador rural e ao consumidor. A produção de microrganismos em meio de cultivo líquido em recipientes inapropriados como caixas d’água, que não permitem o controle mínimo do processo de fermentação, é um clássico exemplo negativo.
“A produção inadequada dos bioinsumos resultará em um produto de baixa qualidade, que por sua vez não apresentará o efeito esperado no manejo, podendo levar essa excelente tecnologia ao descrédito. Ainda vale ressaltar que um processo de produção mal conduzido pode resultar na multiplicação de microrganismos patogênicos a humanos, ou seja, pode acarretar doenças. Entretanto, mais uma vez, é importante frisar que um bioproduto decorrente de um processo de produção bem conduzido será seguro não só para o agricultor, mas também para o consumidor final”, completa.
Fonte: Embrapa